- Análise comparativa dos vídeos: Jardim Gramacho, Ilha das Flores e Boca do Lixo com o texto vista Cansada de Otto Lara Resende?
Jardim Gramacho, boa parte dos entrevistados mostra-se satisfeita com sua condição, e veem liberdade nesta, uma vez que em seu trabalho não estão subordinados a chefes ou patrões. Vale notar que há perspectiva de mudança para alguns: uma catadora diz ter uma filha graduanda em Direito.
Em Boca do Lixo, são retratados tanto catadores que apreciam sua condição pelos vínculos sociais que ali criaram, por exemplo, quanto catadores que lá estão apenas por falta de oportunidade e condições de uma vida que consideram melhor. Um aspecto notável é que os resíduos nos quais os catadores buscam utensílios que possam ser aproveitados já fora desprezado por outros catadores. Era o lixo do lixo Nos três vídeos percebe-se que não há condições dignas de trabalho para os catadores; alguns chegam a ferir-se com lixo hospitalar. vemos como que vivemos a experiência tátil da vida diária de centenas de pessoas, quase todas inicialmente muito hostis à equipe do cineasta – “o que você ganha com isso?”, um menino de dez anos pergunta ao diretor – mas que acaba no quintal de alguns desses seres errantes: coisa previsível para os habitués do cinema de Coutinho, que prima por investigar e revelar falas cheias dos enigmas menos confessáveis da vida.
lha das Flores enfatiza o desperdício dos resíduos finais dos processos de produção e consumo que serão, entretanto, responsáveis pela provisão da sobrevivência dos catadores do lixão. Os porcos são priorizados em detrimento dos seres humanos. É possível perceber, já no fim do texto do vídeo, que há uma citação a respeito da liberdade. Vê-se que, devido a fatores como desigualdade social, falta de oportunidades e ausência de garantia de direitos básicos, esta liberdade não é plenamente desfrutada por todos; muitos estão presos a sua condição, sendo-lhes impossibilitada ascensão social, acesso à educação, entre outros. Não é mostrado de forma explícita no curta a opinião dos catadores a respeito de suas situações. Pode-se deduzir, no entanto, que alguns estão não satisfeitos, mas conformados. O curta que já se tornou um clássico de Jorge Furtado, percorre uma longa cadeia de tempos e espaços, tendo como fio condutor um tomate, até que chegue ao aterro da cidade – onde os habitantes famintos do lugar ficam “abaixo da linha dos porcos” no direito à reciclagem do lixo, que não obstante assegura-lhes a sobrevivência. Muito mais do mesmo aparece nos documentários de Eduardo Coutinho e de Jorge Furtado, com a diferença de que neles o olhar se fixa mais atentamente no espaço dos próprios aterros ditos sanitários. O curta Ilha das flores é, sem dúvida, um desbravador audaz da épica da miséria nacional e mundial (já que aborda o local e simultaneamente o universal). No final da década de 80, um cineasta em início de carreira acerta as contas com a opressão e a injustiça vividas no Brasil militarizado em que nascera, com um breve filme-denúncia cujo roteiro e montagem parodiam a ortodoxia dos programas televisivos e documentais com finalidades didáticas. O “filme-ensaio” de Jorge Furtado – dedicado a nossas mazelas, empreende uma investigação derrisória da diferença existente entre tomates, porcos e seres humanos – seus personagens. Colando fatos e fotos a toda velocidade, à maneira de um caleidoscópio, o curta-metragem dá voltas ao mundo derrubando ícones e desarmando mecanismos de autodestruição humana através de esquemas classificatórios delirantes e de silogismos tautológicos, no início o espectador, manipulável como um fantoche pela própria lógica do filme, é levado a rir, incrédulo; no gran finale às avessas, é levado a chorar – e tudo isto em apenas doze minutos.Com Boca de lixo, Coutinho vai se despedindo das trilhas sonoras: uma música concretista (composição de Tim Rescala) ainda acompanha o trabalho dos párias separando o lixo, que pouco acrescenta à crueza das imagens dessas catacumbas do mundo contemporâneo. Audiovisual, o que tem sido visto por muitos críticos como um imperdoável deslize estetizante. Aliás, quando Lins descreve o início de Boca de lixo, parece projetar o filme futuro (e futurista) de Prado. Imagens que provocam repulsa e mal-estar, constrangedoras, degradantes, habitadas por pessoas acostumadas com aquelas montanhas de detritos e sujeira, em busca do ouro em um tipo diferente de garimpo. Mas enquanto Coutinho duela sistematicamente com o estereótipo e o senso comum, evitando, a “humanização” dos catadores. De forma a dar oportunidade a uma vida para alguns desconhecida - o que pode justificar em alguns casos a preferência pela permanência no lixão - é necessário fornecer programas de acesso à educação, moradia, saúde de qualidade, o que abre portas para novas possibilidades e permite uma liberdade mais completa do indivíduo. Para facilitar o trabalho de quem escolhe continuar nos vazadouros, é necessário que haja segurança no exercício de suas funções, oferecendo equipamentos de proteção como luvas, botas, entre outros. Deve-se ressaltar, no entanto, que um dos objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) tem como meta o fim dos lixões. Não é coerente, desse modo, idealizar programas de assistência com resultados a longo prazo aos catadores que desejam permanecer nos lixões, uma vez que estes devem ser desativados.
O texto Vista Cansada, de Otto Lara Resende, faz reflexão sobre a forma de vermos as coisas, que na maioria das vezes não observamos o que está à nossa volta. Às vezes não damos importância a algo ou situações que acontecem diariamente em nossas vidas, nosso caminhar, por não enxergar o que está diante dos nossos olhos. Deveríamos ter um olhar mais atento aos nossos próximos, aos que lutam diariamente para sobreviver, como os que estão no lixão.